A julgar pelos acontecimentos dos últimos anos, estamos à beira de uma ditadura do politicamente correto, da falta de senso e do vitimismo exacerbado. Tudo o que dissermos (e escrevermos), poderá e será utilizado contra nós, seja crime, seja piada ou seja batom. Assim, fala quem tem coragem, mas cala quem tem juízo. A condenação pode vir do povo ou do martelo, quase nada fazendo sentido.
Mas nem é sobre isso o texto de hoje, até porque é proibido se dizer exatamente o que se pensa. Resta pensar, a propósito, eis que rir logo mais será luxo de poucos. O país da piada pronta, cada dia fica mais sem graça, em todos os sentidos. Pai, afasta de mim esse cálice, já cantava o outro, mal sabendo que não era apenas vinho tinto de sangue que a taça transbordava. Esse silêncio todo me atordoa e eu já espero ver emergir o monstro na lagoa.
O que me traz a este espaço, porém, é o meu espanto quanto à crescente onda, se é que se pode chamar assim, de envenenamentos ocorridos nos últimos meses, todos através de alimentos adulterados com o propósito de se cometer homicídios. Certo que nem se trata de prática inovadora e recente, estando a história repleta de casos célebres. Cleópatra e a água de Tofana que o digam!
Na literatura, igualmente, os venenos habitam o imaginário. Camuflado em uma suculenta maçã vermelha, ingerido por um Romeu desiludido ou impregnado na espada que atravessou o Rei Hamlet, o veneno vem matando personagens pelas mãos de muitos escritores. Agatha Christie, particularmente, parecia ter uma predileção por esse modus operandi. Ser ou não ser, eis a questão.
Uma substância popularmente conhecida como chumbinho, infelizmente utilizada para matar, covardemente, animais e, aparentemente, de fácil acesso para compra, vem sendo a responsável por muitas mortes humanas. Crianças que comeram ovos de Páscoa envenenados, adultos que consumiram bolo feito com farinha adulterada, sopas batizadas, entre outros tantos casos, morreram por conta da mente doentia de criminosos cruéis e dissimulados.
Em grande parte dos casos, os responsáveis eram pessoas próximas, familiares e amigos. Em outros, gente imbecil e sem sentimentos, que entende ser justificável matar em nome de pequenezas, como relações terminadas e sentimentos não correspondidos. Como todos os covardes, após o crime, ou o negam ou alegam insanidade.
Sou de um tempo e de um lugar em que as pessoas trocavam alimentos, como gentilezas entre vizinhos, entre amigos. Como professora, muitas foram as vezes em que ganhei e comi alimentos presenteados por alunos. Admito que, hoje, não tenho mais coragem. Por mais absurdo que tudo pareça, não somos capazes de prever todo mal que nos observa. Lembrei-me, quando criança, dos meus pais me advertindo para não aceitar nada de estranhos. Acrescente-se, agora, “muito menos de conhecidos”.
Que país é esse? Que mundo é esse? Como beber dessa bebida amarga,
Tragar a dor, engolir a labuta? Pai, afasta de mim esse cálice...