Quanto mais cheia minha cabeça, quando pensamentos intrusivos resistem a irem embora, mais gosto de caminhar a esmo, sem pressa, só contemplando a natureza, ainda que no minimundo do bairro onde moro. Ando exausta das pequenezas humanas, das discussões sobre poderes e entre Poderes. Cansada de ter que escrever e falar nas entrelinhas, porque ser rebanho é mais seguro, embora mais miserável.
Sair para pequenas caminhadas com duas cachorrinhas de passos curtos e focinhos curiosos, é o álibi perfeito para me permitir ficar por alguns minutos parada, admirando pequenas descobertas que me encantam e me fazem esquecer daquilo que não me faz bem. De outra forma, penso que talvez seria estranho, ainda que não devesse ser, permanecer no meio da calçada, com o olhar perdido no verde que ainda subsiste e resiste à sanha dos arranha-céus.
Setembro ajuda muito nisso, aliás. Talvez seja meu mês favorito, ao qual já dediquei vários textos. Entre o azul do céu de poucas nuvens, o verde vai ressurgindo, repleto de esperança pelas chuvas que vão ensaiando chegar. Há flores para todos os lados, de todas as cores e tamanhos. Os ipês já vão se despedindo, terminando de forrar o chão, dando lugar às maravilhas das primaveras. Os dentes de leão, relegados à condição de mato, já anunciam os botões, que logo mais explodirão em flores amarelas, para deleite das abelhas.
Neste ano, em especial, notei que as mangueiras e abacateiros que há nas ruas do entorno, estão carregados de botões. As amoreiras, mais adiantadas, já tingem as calçadas de roxo e púrpura. Nem mesmo os pássaros dão conta de consumi-las todas. As nêsperas vergam os galhos, tamanha a quantidade de frutinhas amarelas. As pitangueiras, vestidas de noiva, esbanjam suas minúsculas flores brancas, num presságio de fartura. É a natureza expondo seu lado materno, provedor, mesmo que tantos nem se deem conta disso.
Em cada fresta, onde há um pouquinho de terra, plantinhas vão surgindo, contrariando expectativas e probabilidades. Seguem fazendo seu papel, ignorando que, em breve, mãos humanas as removerão, para que o cinza permaneça intacto, para que as folhas não caiam e pássaros não se aproximem com suas penas e fezes. Paradoxalmente, em meio às muitas nuances de verde, os rastros humanos se fazem visíveis, materializados no lixo que invade ruas, guias, bueiros, canteiros.
Papéis, plásticos, bitucas de cigarro, restos de comida, roupas, restos de construção, tudo é descartado no chão, tal qual, na Idade Média, os penicos eram esvaziados pelas janelas das casas. E como tudo isso não causa a mesma revolta nos odiadores do verde, é o que não entendo. O ódio que vejo ser destilado para as folhas, parece ignorar o lixo humano. Quando as chuvas de verão chegarem, os rios subterrâneos e os soterrados, por certo, serão condenados pelos prejuízos causados pelas enchentes, repletas do lixo regurgitado.
Sigo meu caminho embalada pelo canto enamorado dos sabiás, reconhecendo as espécies de plantas, lamentando pelas árvores estupidamente suprimidas e comemorando os brotos insurgentes, tais como pequeninos braços de um corpo amputado, estendendo-se em busca de ajuda. Sim, eu, que sou moderada na humanidade, na política, sou radical em meu amor pelas árvores, pela natureza e, no papel, sigo deixando os registros desta devoção, os meus rastros pelo mundo.
A natureza, todos os dias, salva o que há de melhor em mim. Sinto pelo pouco que sou capaz de fazer em sua defesa, porém. Diante do poderio dos interesses econômicos, das construtoras que todos os dias destroem os poucos quintais e suas árvores, morada de pássaros e outros pequenos animais, nada ou muito pouco posso, talvez, exceto, registrar em palavras a minha indignação. Enquanto eu tiver setembros, seguirei fiel, semeando nas linhas, solo que a vida me destinou.