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Ipe Amarelo

Mesmo já tendo superado seus melhores anos, despedido-se da juventude, ele, uma vez mais, fez a parte que lhe competia. Comparado os demais, mesmo aos da vizinhança, não era muito, mas marcou sua presença, vestindo-se de amarelo. Logo o verde retornaria, em mais um ciclo de sua vida.

O velho e frágil ipê da minha calçada, após se despedir das folhas, chamadas ao chão pelo vento de agosto, ficou nu por algumas semanas, com indícios incertos sobre flores futuras. Mirradinho, com mais de sessenta anos, nunca floresceu como os demais ipês amarelos, embora, nesses dezessete anos em que moro nesta rua, houve umas duas vezes nas quais foi mais ousado, chegando a colorir a rua de amarelo.

Dias atrás, ao sair para mais uma caminhada com duas cachorrinhas ansiosas e felizes por simples voltas no quarteirão, encontrei uma flor no chão. Olhei para cima e as vi, ainda tímidas, pintando de sol os galhos escuros. Sorri, agradecida. Já aprendi que não importa quantas venham, porque, simbolicamente, preciso que apareçam, renovando-me a esperança e a convicção de que é preciso fazer a parte que nos cabe, da forma como pudermos.

Certa vez me sugeriram cortá-la, diante de sua fragilidade e poucas flores. Além de ignorar por completo, sorri ao pensar que a pessoa nem era assim tão legal e, nem por isso pensávamos em expulsá-la do nosso convívio. Enquanto eu morar por aqui, enquanto eu viver, ela estará segura e protegida da maldade humana, ao menos. Nada posso contra as intempéries, mas cuido dela com adubo e água.

Em troca, tenho a sombra delicada que se proteja sobre minha casa, os galhos que, alcançando da minha sacado, sustentam os vários recipientes nos quais coloco o néctar disputado por uma variedade de abelhinhas e pássaros como cambacicas, maritacas, beija-flores e, no turno da noite, pelos morceguinhos frugívoros.

Ao contrário de outras árvores da mesma espécie, ele nunca cresceu, nem em tamanho, nem mesmo em largura do tronco, assim, nunca precisou ser podado e nem incomodou ninguém, muito menos os neuróticos de plantão. Olho para seus galhos finos, retorcidos, mas que são frágeis apenas na aparência, pois ele resiste firme, vento após vento, chuva após chuva, agouro após agouro.

Já escrevi, nestes mais de vinte e cinco anos como cronista, muitos textos sobre os ipês, porque nunca me canso de admirar como dão vida e cor ao cinza de cidades e campos cada vez menos verdes. É como se, uma vez ao ano, precisassem se despedir do verde para lembrar a todos que estão ali, notados pelos matizes de rosa, de roxo, amarelo e branco.

Meu velho ipê me lembra, assim, ano a ano, que nem todos florescem do mesmo modo, na mesma intensidade, mas enquanto estamos aqui, habitando um espaço que nos pertence, é preciso darmos o nosso melhor, ainda que diante da reprovação alheia. Cada árvore, cada pessoa, cada vida neste mundo (e quiçá em outros) sabe o quanto custa e o quanto investe para ser o que é.

Neste setembro em que escrevo, cercado de tantas incertezas políticas, econômicas, sociais, os ipês não se esquecem do verde, apenas se desvestem dele momentaneamente, para florescer. Talvez, se olhássemos mais para a natureza, fôssemos capazes de defender as nossas cores, não pelo bem individual, nem mesmo porque nos mandam ou nos enganam para agir de um jeito ou de outro, mas simplesmente pelo bem coletivo.

Enquanto isso, no aguardo das horas, sigo apaixonada pelo amarelo que explode pelas ruas, pacífico e resiliente como o meu velho ipê.

Cinthya Nunes é jornalista, advogada, professora universitária e uma eterna apaixonada pela natureza e pela paz – /www.escriturices.com.br