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ciclone

Parecia agosto. Parecia outro país, daqueles nos quais os ciclones são usuais. Parecia surreal, só que não era. Era dia dez de dezembro e era na cidade de São Paulo. A gosto do caos, talvez. O dia, que amanheceu quente, tinha sol entre nuvens, enquanto o vento ainda soprava leve. De uma hora para outra, porém, começou uma ventania forte, balançando violentamente as copas das árvores. Portas e janelas tiveram que ser fechadas às pressas, porque as coisas mais leves, literalmente, começaram a voar dentro de casa.

Em poucas horas o estrago estava feito. Árvores imensas, talvez comprometidas pela ação de cupins, pelas podas equivocadas, pela supressão de raízes espremidas nas calçadas, foram ao chão. Nunca deixo de lamentar isso, ainda mais em uma cidade que a cada dia perde mais áreas verdes, tanto pelo desrespeito e ignorância de parcela da população, quanto pela sanha pelo dinheiro que destrói em nome de novos arranha-céus. Isso sem esquecer o risco para as pessoas e bens, de serem atingidos.

Além do prejuízo ambiental, milhões de pessoas ficaram sem eletricidade, sem internet, sem condições de trabalhar. Em alguns bairros, a energia não foi reestabelecida mesmo depois de passadas vinte e quatro horas. Em casa, as luzes piscaram muitas vezes, ligando e desligando eletrodomésticos, os quais corremos para tirar da tomada, com receio de queimarem. A internet e o sinal de celular oscilando a ponto de me derrubar da sala virtual em que eu lecionava, mais de três vezes.

Enquanto eu explicava aos alunos como elaborar uma peça processual, escutava o vendo zunindo, enfurecido, com dificuldade para me concentrar, preocupada em saber se aquilo cessaria ou se poderia se agravar. Precisei ir até a padaria, um pouco mais tarde e, no caminho, vi que as ruas estavam tomadas por folhas e galhos. Segui tentando evitar passar sob as árvores maiores, que pareciam lutar para se manter em pé, com suas copas dançarinas.

Nunca gostei de vento, de ventanias, a propósito. Para além dos estragos, não gosto da sensação que me causam, jogando poeira nos meus olhos, tornando indomável meu cabelo de fios finos. Assusta-me o barulho, como prenúncio do perigo, arauto de tragédias, de chuvas fortes. Já a brisa, mansa, doce e calma, não fustiga, mas acalenta, embala. Se estiver à beira-mar, é canto de sereia.

No dia seguinte, porém, o vento havia cessado e, embora tenha deixado suas indeléveis marcas, foi-se embora do jeito que chegou, num repente. Muitos estabelecimentos fechados, geradores ligados e ligações telefônicas que mal completavam. Nossa rua, apesar das oscilações, não ficou sem eletricidade por mais do que poucos minutos, por sorte. Segundo dados que pesquisei, foi um evento causado por um ciclone extratropical, sem precedentes históricos, com ventos que atingiram 98 km/h.

Acredito que o desequilíbrio ecológico, causado pela humanidade, tenha sua parcela de culpa. Enquanto continuarmos tratando o meio ambiente como inimigo, como fonte de riquezas e descaso infinitos, sem respeito pelo verde, pelos rios, nada vai melhorar. Ao contrário, a meteorologia prevê a possibilidade de temporais para os próximos dias e próximas semanas.

A seguir deste modo, no futuro, tal como em outros países, teremos que construir abrigos, reforçar estruturas, ter uma preparação para o enfrentamento desses atos de vingança da natureza e que ela tenha piedade de nós, seus algozes.

 Cinthya Nunes é jornalista, advogada, professora universitária e tem medo de ventania – /www.escriturices.com.br

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