Nem sempre a inspiração vem da alegria, da curiosidade, do inusitado. A escrita também tem como musa a dor, o sofrer. Hoje é tristeza que me traz ao papel, em um ano que mal começou. Pergunto-me o que fazer dele agora, desse tempo que se deita à frente, já repleto de saudades. Não tenho, neste momento, nem respostas e nem perguntas, com o coração batendo por dever, mas em descompasso.
Doze anos nos separavam em idade. Atualmente, eram imperceptíveis, mas quando eu era uma criança e ele um jovem adulto, a distância era continental. Muito alto me parecia e, naqueles tempos, muito magro, eu o via como um gigante, o maior primo que eu ou qualquer pessoa pudesse ter. Nas minhas lembranças, eu estava sempre olhando para cima, para poder vê-lo. Era o filho do Tio Claudionor e da Tia Páscoa, o meu primo Fernandinho.
No sítio onde ele morava com os pais, um papagaio, galinhas, vacas e cachorros, íamos com meus pais para buscar frutas, soltar passarinhos de gaiolas, empinar pipa com outro tio, aprender a dirigir no Fusquinha, procurar planárias no riozinho, comer queijo fresco, entre tantas outras coisas, agora já perdidas no tempo das memórias.
Décadas depois, Fernandinho se tornou Fernandão, com o nascimento de outro Fernando, seu filho. Ao lado dos novos primos, Ângela, Ana Laura e Fernandinho, a família que meu primo construiu com amor, resiliência e fé, nosso universo também se ampliou, ganhando alegria, conforto, cumplicidade, reforçando os laços que o sangue já havia construído.
O tempo nos igualou na idade, nas conversas, nos ideais. Éramos amigos, do melhor jeito que as famílias devem sê-lo. Não havia evento familiar em que eles não fossem contabilizados no número essencial, no coração de qualquer comemoração, fosse formatura, casamento, aniversários e qualquer outra data comemorativa. Nas dores também fomos apoio, esperança e coragem, uns dos outros.
De repente, em uma manhã que deveria ser qualquer, o telefone toca e tudo mais fica mudo. O impensável aconteceu. O coração, gigante como aquele que o carregava, parou.
Sem avisos, sem rodeios, sem tempo para despedidas. O nó preso na garganta não se desfaz pelas lágrimas que escorrem sem que eu queira detê-las. O soco que carrego, seco, na boca do estômago, segura a respiração que não encontra alento.
Todos sabemos que a vida é frágil, que se pode esvair a qualquer momento, mas, até para sobrevivermos, vamos fingindo que nos esquecemos disso, como se habitando uma realidade paralela, a verdade não nos pudesse atingir. Quando, porém, somos tomados de assusto, quando a dama de negro bate as nossas portas, levando aqueles que amamos e fatiando em tiras nossos corações, lembramos do que somos feitos e de que o tempo caminha em sentido contrário à vida.
Acredito que ele soubesse do nosso amor, meu e de toda minha família, por ele, por eles. Nenhum abraço ou riso foi economizado, mas nem por isso deixo de lamentar a partida precoce. Há dias fico ouvindo sua voz, lembrando do seu sorriso, pensando em como será sem você, ainda sem acreditar. Que haja algum reencontro das almas que se pertencem no afeto. Daqui seguiremos até o momento da nossa partida, menos felizes sem você, mas celebrando a vida que você viveu, gratos pela família que nos legou.
Meu primo, o meu gigante favorito, sua família foi, é, e sempre será nossa também. Vá em Paz, Fernando, Fernandinho, Fernandão.