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tomate

A gente pisca e já se foi um terço do primeiro mês do ano. Do ano novo, que até dia desses era apenas uma promessa, um plano idealizado, de realizações futuras. Agora nem há desculpas possíveis, eis que o marco inicial, o pontapé primeiro das metas para uma vida melhor, já acionou o cronômetro. Então o negócio é seguir. Só que nem sempre é fácil ou simples.

Não sei quando você, leitor, irá ler este texto, mas acredito que mesmo que ele seja descoberto daqui a oitenta ou duzentos anos, as inquietações humanas não estejam tão diferentes a ponto de torná-lo ininteligível. Óbvio que costumes, linguagem e tecnologia serão diferentes, mas a essência humana, aquilo que habita no insondável, provavelmente se mantenha. Em resumo: vamos continuar querendo paz, boa forma física, dinheiro, amor e, talvez um robô faxineiro, que seja mais obediente, possa se somar a tudo isso.

Acredito que essas resoluções de Ano Novo tem um importante papel terapêutico, que nos impulsiona rumo ao futuro, à esperança de recomeços, de novas chances, mesmo que não seja possível dar conta delas. Conforme avanço no tempo dos meus dias, porém, sigo simplificando meus propósitos, menos porque me desiludi, mas porque compreendo o que realmente me importa.

Uma das minhas mais importantes metas de sobrevivência é a resiliência, palavra que no passado eu sequer conhecia. No dicionário, resiliência significa “propriedade que alguns corpos apresentam de retornar à forma original após terem sido submetidos a uma deformação elástica”, fisicamente falando. Já no sentido figurado, ser resiliente é ser capaz de se recobrar facilmente ou se adaptar à má sorte ou às mudanças.

Inevitável que a vida siga nos amassando, mudando nossas formas, física, mental e emocionalmente. E ser incapaz de se readaptar, de contornar, de renascer, de se reinventar, pode levar a pessoa à desilusão, ao desânimo e à sensação de que nada mais há a fazer, a reagir. Assim, ser resiliente, da forma como vejo, pouco ou nada tem com resignação, pura e simple, mas a “re-formar”, permitindo novos contornos para prosseguir.

Noto essas lições, inclusive na natureza, ensinadas com maestria. Ano passado, por exemplo, notei que em minha composteira caseira, havia nascido um pé de tomate. O curioso é que ele achou uma fresta mínima para sair da caixa, na qual não há qualquer claridade, para buscar a luz do sol. Nascido de tomates velhos que direcionei às minhocas, o tomateiro cresceu à revelia das possibilidades. Em dúvida se ele sobreviveria, replantei em um vaso, ao total alcance da luminosidade, onde triplicou de tamanho e floresceu.

Há poucos dias, colhi os dois tomates italianos que ele produziu, antes de secar por completo. Bonitos, saborosos, os tomates viraram salada, mas os melhores frutos do tomateiro foram os exemplos de que o improvável também encontra seu lugar no mundo. E os tomateiros, meus amigos, são campeões em provar isso. Muitos anos atrás, inclusive, escrevi sobre um que, nascido em uma fresta entre o piso na casa dos meus pais, produziu dezenas de frutos, inspirando-nos e saciando nossas fomes.

Ao pensar sobre o que escrever nesta semana, enquanto passeava com minhas cachorras pelas ruas do bairro, aqui na megalópole paulista, vi, embaixo de folhas e papelão, um tomateiro que nasceu na sarjeta, beirando o asfalto, meio oculto sob lamentável lixo. Repleto de redondos tomates caqui, ainda verdes, prova que a vida ainda é maior do que o descaso, do que as dificuldades.

Então, neste novo ano velho, desejo que todos tenhamos a habilidade de nos adaptar, de florescer e frutificar, mesmo quando tudo parecer impossível, improvável. Sejamos tomateiros.

Cinthya Nunes é jornalista, advogada, professora universitária e ama tomates – Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo./www.escriturices.com.br