Era 2020, o ano em que o mundo iniciou um período extremamente delicado e triste. A pandemia da COVID-19 nos limitava em muitas coisas. Havia o medo do desconhecido, do contato com as pessoas, mas, a despeito disso, a vida seguia tentando manter alguma normalidade, aquela possível.
E foi em um daqueles meses de angústia que, após um dos meus peixes morrer e ver o outro que ficou, sozinho no aquário, talvez sensibilizada pelo isolamento humano involuntário, coloquei duas máscaras e fui até um petshop próximo, buscar um companheiro para meu pet aquático. Voltei, correndo, com um pequeno peixe vermelho, um kinguio.
Rapidamente os dois se adaptaram e, poucos meses depois, o novo morador já dobrara de tamanho. Inseparáveis, viveram juntos até que, nos primeiros meses deste ano, um deles morreu, a que eu supunha ser a fêmea, outra kinguio, branca, com cauda em véu. Durante os anos em que estiveram comigo, segui tratando deles da melhor forma, mantendo limpo o aquário, alimentando-os, quando preciso, medicando também.
Embora eu já tivesse, no passado, dado nome a vários de meus peixes, esses dois não o tinham, até que minha sobrinha Sofia, em uma visita, os chamou de João e Maria. Quando Maria morreu, sem avisos, sem doença aparente, com cerca de sete anos, João já estava com um pequeno tumor na cabeça. Consultei alguns veterinários, mas ninguém me indicou nada de efetivo. A visão da massa que, em alguns meses, cresceu até cobrir um de seus olhos, deixava-me agoniada.
Cheguei a procurar, na internet, algum veterinário especializado e até consultei valores, tudo muito caro. Meu receio era de que, por se tratar de um pet considerado exótico, ou seja, fora do binômio gato-cachorro, eventual cirurgia ainda fosse incipiente. Em uma manhã recente, porém, vi, na internet, um caso idêntico, com sucesso e, ao constatar que João aos poucos ficava impossibilitado de comer, condenado a morrer à mingua, resolvi buscar, uma vez mais, alternativas.
Assim, encontrei, em uma clínica veterinária próxima, a possibilidade da cirurgia. Consultei valores, parcelamento e, imbuída de esperança, decidi submetê-lo à operação. Antes, falei com o veterinário e após preencher uma ficha com os dados do meu pet, acrescentei um Peixoto ao nome dele. Admito que era engraçado ouvir os atendentes falarem: Dr., o João Peixoto chegou para cirurgia...
De fato, a operação, em si, foi um sucesso. Pedi as fotos do procedimento e é surpreendente ver como tudo é feito, com a entubação do animal, que fica fora da água, bem com a extração do tumor, que já representava mais de um terço do peso dele. De volta para casa, no mesmo dia, João Peixoto parecia bem, livre daquele peso e das limitações por ele causadas. Acreditei mesmo que daria certo e fui dormir aliviada.
No dia seguinte, porém, ele mudou o comportamento e voltamos à clínica. Racionalmente, eu já sabia que ele iria morrer, tendo criado peixes por quase toda minha vida. Foi aplicado medicamento injetável e até ouviram, com um minúsculo aparelho, que o coração ainda batia. Horas depois, porém, ao ver o nome da clínica na tela do meu celular, eu já antevi as más notícias.
O veterinário, ao telefone, informou que lamentava me dizer que João Peixoto chegara a óbito. Triste, obviamente, mas senti que eu fiz o que meu coração me mandou fazer. Sei que, ao ler este texto, alguns rirão, outros se indignarão, afinal, era “só” um peixe. Só que, para mim, não era. Eu o vi crescer, alimentei e cuidei durante quase seis anos. Era uma vida e não pude vê-lo sofrer, sem ao menos tentar. Decidi, porém, que minha história com kinguios se encerrou com João Peixoto.
Gostaria muito que ele tivesse sobrevivido, que eu pudesse incentivar histórias semelhantes, mas ainda assim sinto que valeu a pena. João Peixoto, um peixe vermelho, existiu, foi nomeado e virou história. E cada um, ao seu modo e de acordo com seus valores, que pense ou escreva o que quiser.